top of page

Interviews

In addition to my research, I interviewed three artists who dialogue with the themes I addressed. The interviews aim to introduce the artists and present their unique perspectives, both in light of the pandemic moment and in sharing their experiences in the art world. The reason I chose the interview format is to touch on practical examples of bringing art and politics together, rather than narrowing the thinking within the perspectives shown. The interviews were conducted via Zoom, lasting an average of 1 hour each. For practical reasons, I will present the dialogues in text format. Emphasizing that the content shown is a clipping of a whole, extremely rich in diverse subjects. Above all, I would like to express my sincere gratitude to the interviewees, for opening several paths for me, and inspiring me in this project. 

As a matter of clarification, I name them in the text as
Jorge Bascuñan (JBa)
Marcelo Evelin (MEv)      
Bianca Mendonça (BMe)    
Julian Boehme (JBo)          

in Portuguese
in Portuguese
in English

Slide2.PNG
Marcelo Evelin

Marcelo Evelin
(June 2021)

JBa: Qual é a sua relação com performances online? Como as novas tecnologias têm afetado os corpos? 

 

MEv: ...Corpo é toque...funciona em contato com outros corpos...de uma maneira muito específica que não está acontecendo...o todo da coisa é o que vai me informar muito mais. Eu sou muito ligado ao toque, eu sou muito ligado ao cheiro, eu sou muito ligado a uma zona de proximidade desses corpos e é com isso que eu trabalho. Então tem sido pouco, essas condições digitais têm gerado muito pouca informação para mim. Eu não estou conseguindo gerar nada aqui, além desses encontros, que é claro que a gente troca informação, alguma coisa é dita. Mas também acho que existe uma certa racionalidade...Como se já não bastasse uma vigilância geral de tudo, entende, uma coisa completamente panóptica. A gente tá gravando tudo, segurando tudo, a gente está controlando tudo, e é exatamente isso que a gente fala, lutando, então, tem quase uma contradição aí pra mim. Estou achando bem estranho o Mundo dos humanos nos últimos tempos...

 

JBa: Como você se refere à essa evolução tecnológica da performance? 

 

MEv: Eu não tenho nenhuma familiaridade com a ideia de tecnologia ligada à performance. Para mim a performance está muito mais ligada à ritual, está muito mais ligada a uma certa simplicidade, está muito mais ligada à justamente perder esses procedimentos que nos levam a um lugar mais racional, mais controlado, mais organizado. Eu acho que eu sou um daqueles artistas que acham que arte é sobre nada, sobre coisa nenhuma, então eu fico defendendo esse lugar de coisa nenhuma… Pode ser a minha limitação com relação ao entendimento dessas coisas. Por exemplo, com a pandemia eu tô ficando ainda mais analógica. A gente precisa de mais ritual, de estar junto, mais uma visão que nos leve a um lugar mais próximo do que seja vida. Eu não quero dizer que não tenha vida na internet, mais para mim tem muito mais a ver com a simplicidade, tem muito mais a ver com os ritos de passagem, que estão ligados a nossa evolução como pessoa, a nossa visão de mundo, como estamos entrando em contato com o que está em volta da gente, então quando eu falo ritualístico nesse sentido, acho até que pode ser muito interessante que essa pandemia vai, de alguma maneira, chacoalhar nossas certezas com relação a arte, no sentido casas cheias, espetáculos que fazem tours absurdos. De alguma maneira sinto que a gente está começando a voltar e olhar mais para o ‘local’, e isso eu vejo como uma coisa positiva de uma maneira que a gente vai estar ali falando com aquelas pessoas que estão em volta da gente. Eu acho que tem muito para ser feito no sentido de arte como parte da vida, ou arte da convivialidade, ou arte como parte da nossa subsistência diária, e não como algo colocado num lugar especial de  -Ah! o objeto artístico que é distante de mim...só os artistas fazem!

JBa: Como você enxerga os rituais nesse momento contemporâneo? 

 

MEv: Antes de chegarmos à ideia, digamos assim, do design dos rituais, dos ritos, eu acho que a gente tem que recuperar uma certa disponibilidade que é física, que é emocional e espiritual, que é social e política, para chegar então no que é rito. Eu acho que a gente ficou muito afastado disso. Parece que outras coisas vieram e substituíram essa necessidade. Estou falando assim da Grécia antiga, falando dos povos ameríndios brasileiros que eu acho, que como ninguém, ritualiza e sempre atualizaram suas realidades, que eu acho importante pra gente nessa retomada de Descolonizar nossos inconscientes, talvez se nos determos a esses rituais... O ritual tem a ver com esse corpo que se coloca em função de alguma coisa.  eu acho que o ritual tem um lugar, uma proximidade com a incorporação, tem uma proximidade com sacrifício, tem uma proximidade com entregar o corpo para alguma coisa, alguma coisa  que é radical, uma coisa que realmente vai transformar seu corpo. [em performance…] Não é só ver um espetáculo de 1 hora. eu acho que aí tem a ver com tempo. Tem a ver com as condições onde esse corpo é colocado. Tem um lugar do sentido que é dado, uma outra direção. Como é que a gente pode realmente estar submerso, imbuído num outro tipo de relação: de cheiro, de temperatura, de sonoridade, de visão. Como é que a gente pode, inclusive, pensar nas plantas, como é que elas nos podem trazer efeitos de transcendência de alguma coisa, ou de colocação do corpo? Como a gente pode colocar o corpo numa situação que não seja essa situação deslocada - de ir ali comprar ingresso, sento e assisto um espetáculo… Eu acho assim, ritual como colocação do corpo num outro lugar, numa outra condição… radical! … o corpo do artista, mas também o corpo do espectador!  Eu fico achando sobre essa separação... a gente tem que pensar nela, e é a gente: artistas! ...a gente que tem que aproximar, a gente que tem que estabelecer esse limite de uma outra maneira. Não estou trazendo conotação tão religiosa para a coisa não, eu estou falando dos rituais mais profanos mais pagãos,  que são os que interessam mesmo… essa coisa de estar mais junto enquanto povo, enquanto enquanto população…

 

JBa: Como você entende a transcendência entre performance, corpo e o ambiente? E como isso é comunicado ao público?

 

MEv: Eu acho assim.. Não vejo o corpo como uma coisa em si fechado, onde tudo acontece, onde está tudo sendo gerado ali. Eu vejo o corpo como uma relação direta com o ambiente e com as outras pessoas, para mim o corpo se constitui no contato. Seja com as outras coisas,  com o ambiente ou com as pessoas. Os espetáculos já são pensados a partir dessa premissa. Quer dizer, a partir da ideia de que o ambiente interfere diretamente e ele constitui, ele faz esse corpo, esse corpo vibra em relação a esse entorno. Eu  resolvi trabalhar mais em Terezina, pela ideia de trabalhar em um lugar que é pobre, que é feio, que é quente, que ninguém vai. Essa precariedade me dá uma coisa pro corpo. Eu fui ao Piauí na busca desse contato com esse entorno, com essa situação precária, com esse calor, com essa aridez.  Eu fico achando que isso constitui o corpo, então quando eu levo meus performers, não só os de São Paulo, Salvador ...como os gringos também, no caso da Invenção da maldade …  realmente o ambiente ele é em si uma matéria. E aí o ambiente dos intérpretes e o ambiente do público é o mesmo. Embora eles são abordados de maneira diferente. É [sobre] criar uma condição para que se torne esse espaço, ele se materialize como alguma coisa que afeta diretamente, então estou menos interessado naquele corpo que tá pronto com toda a verdade, por todo o talento que  vai fazer uma coisa que eu vou ficar de boca aberta...é muito mais esse corpo revelando esse espaço, revelando as condições. Quando eu coloco o público e performer no mesmo lugar, não é só assim uma ideia de procedimento, ou porque eu não quero que seja visto de forma frontal, mas é porque ali já tá constituindo o que é a obra... independente da música, de como os corpos estão, do  que que vai acontecer ...

 

JBa: Você acha que performance deve trazer segurança para o público?

 

MEv: Olha Jorge, eu não penso a nível de segurança. eu não acho que um público necessariamente tem que estar seguro. Eu inclusive reajo de uma maneira quase violenta com esse excesso de segurança Europeu. Na Alemanha é insuportável. não se faz nada, entende, a minha normalidade de dançar na Alemanha com dois bombeiros, um de cada lado - não importa o que eu faço, tem 2 bombeiros sempre ... é uma coisa impressionante a quantidade de coisa que a gente tem que fazer, então assim, eu não sou da turma da seguridade, eu acho que já tem segurança demais. Eu acho que a gente está precisando  de um pouco de insegurança, a gente precisa de um pouco de instabilidade, para também deixar entrar outra coisa. Eu acho que quando a gente está seguro demais, controlado demais... não entra.O que eu venho fazendo é tentar tirar essa segurança. Eu acho que eu não sou também capaz de propor segurança para ninguém,  e que tipo segurança que estamos falando? É claro que eu não quero que uma coisa  caia na cabeça de uma pessoa, claro que eu não vou colocar uma casca de banana na entrada da pessoa, para a pessoa escorregar. Não é que eu esteja querendo causar acidente … mas, que tipo de segurança a gente está falando? Tem essa paranoia de segurança, tem essa  paranoia de controle.

 

JBa: Você acha que essa `insegurança` causa também uma curiosidade ao público?

 

MEv: Então, eu acho que quando você cria condições instáveis, eu diria, condição de ‘disagreement’, tem a ver também com `não consenso`, quer dizer, com o não ser consensual com as normas, com as regras, com o bom senso europeu - Que é um bom senso entre eles! Quando você cria condição para isso, eu acho que você já abre um lugar de discussão. Não dá mais pra gente ficar fazendo peça sobre o Brasil, sobre as dificuldades, sobre pós-colonial e como que eu estou entendendo a migração …Temos que criar condições para que as pessoas tenham experiências. Experiências reais, palpáveis, tácteis,  do que é o mundo, de como a gente vê o mundo. Não adianta ficar fazendo discursos pós-coloniais aqui na Europa, dentro dessa segurança toda, com 350 e-mails com o diretor técnico do Teatro… Tem que criar  a condição! ...Para o Europeu, eu parto do princípio de que tem um sistema que me protege, que protege o meu pensamento, então por isso, previamente protegido, o meu discurso ganha o élan de um discurso fundamental na arte contemporânea... não existe isso... a gente tem que criar condições para que as pessoas vivam e se confrontam, e ‘disagreeing’, e se desorganizem. Eu acho que arte agora é muito mais sobre uma desorganização. Porque o mundo está organizado de uma maneira que não tá bacana...Tá bom pra alguns...A gente tem que criar uma condição de atrito, de chacoalhada, de instabilidade como procedimento para nossos trabalhos, porque se não a gente fica falando sobre anedotas. A vida é sobre ser confortável? Quem falou isso? Quem falou que a vida é sobre ser confortável? Quem  falou que a vida é sobre ser feliz?

JBa: Qual a importância da performance em criar possíveis realidades?

 

MEv: Eu acho que o nosso papel é esse mesmo. Eu fico achando que é muito mais sobre invocar... Sobre trazer para o corpo, e de alguma maneira transformar em outra coisa no corpo...mais do que futuro, tem um lugar do presente que para mim é caro... de presente como lugar de reconhecimento de onde a gente está, do que a gente é, com tudo o que a gente já foi, de tudo o que a gente pode vir a ser…Depende de como a gente lida com esse presente, quer dizer, se é reafirmando o mesmo o lugar que a gente já está, ou as normas e as regras, ou é exatamente razurando esse presente, tentando dar outras formas, desestabilizando esse presente para que o futuro seja fruto dessa desestabilização do presente … Eu fico achando que tem uma certa paranoia com o futuro…Para mim, o presente ainda é um lugar pra gente atuar com muita veemência, sabe, e não é agir no sentido prático, eficaz, funcional, de que tem que dar certo... Pelo contrário, eu acho que é com veemência na nossa subjetividade naquilo que a gente invoca, eu acho que a gente está num momento de chamar coisas, de invocar coisas, e fazer coisas, de deixar coisas surgirem nessas dimensões que ainda não estão vistas. A gente vem falando muito de invisibilidade com relação à minoria, ou povos oprimidos...eu vejo isso,  a gente tem que dar espaço para isso, mas acho que tem muita coisa aí... tem toda uma fantasmagoria. Dança nada mais do que um exercício de dar forma ao que não tem forma. Talvez agora eu diria até, em fazer com que as formas fiquem mais soltas,  talvez desfazer formas, talvez sejam muito mais o nosso momento, porque as formas são muito rígidas estão muito duras,os parâmetros são colocados de uma maneira muito incisiva então como é que essa dança também pode fazer dissolver, derreter essas formas... Eu fico achando que tem todo um trabalho aí nesse presente, viu, que pode reverter em futuro, mas eu fico achando que, eu não consigo ainda pular para o futuro, pensar assim: O que que eu quero no futuro? Ou, o que que eu posso fazer agora? Eu estou muito no presente, tentando viver as coisas agora, tentando ver o que que agora eu posso desestabilizar...Mas como é que eu posso estar firme também nos meus propósitos de fazer parte desse mundo, sabe, que a gente está com algum tipo de decência, com algum tipo de  imaginação, ou imaginário. Eu acho que é uma coisa que me ajuda muito, a me manter vivo e são, o imaginário, a possibilidade da imaginação, e claro, o desejo - que eu acho que constitui os corpos. É uma matéria muito necessária, eu acho que é uma combustão - o desejo mesmo … aonde é que está o desejo da gente? ... desejo carnal...

 

JBa: Como você entende essa interligação entre os tempos, passado, presente e futuro?

 

MEv: Eu Acredito muito que seja possível invocar, chamar, revelar tanto o passado como possível futuro. Talvez mais especificamente em uma ordem não cronológica ou não pragmática da nossa relação com o tempo... Eu acho que [o tempo] não é realmente linear, e nem crescente ou decrescente eu acho que tem aí uma coisa espiralada e cíclica. Eu acho que o tempo é uma  matéria muito importante, mas muito impalpável, a nível de conceito, a nível de relação intelectual, racional.  Mas invocar como corporalidade, como condição de corpo, é uma coisa que eu acredito, acho que ao meu ver a ideia de ‘performance arts’ está muito ligada com isso... com abrir este espaço,  essas dimensões que não estão aí, e que podem nos lançar realmente num lugar, numa linha de tempo que não é cronológica, que não está ligada à antes, hoje ou amanhã… Invocar é uma coisa bem forte. Chamar. Eu acho que é uma coisa bem quotidiana, não é nada Sobrenatural, nada místico. 

As fantasmagorias ... a gente sabe que tem muito mais em volta da gente do que a gente consegue perceber, tem todo um trabalho de percepção, que é parte do meu trabalho em aulas, em processo...É uma coisa que eu tenho mais e mais focado nisso, levando para isso essa ideia de uma expansão da percepção, de como que a gente usa percepção, não necessariamente para a justificar o lugar de entendimento, de compreensão, muitas vezes a percepção é : Eu quero perceber para eu conseguir segurar! dizer, eu sei isso! ...não é esse tipo de percepção… é o tipo de percepção mais sensorial, que em si só, ela é só uma expansão, é só um desfazer de uma certa fronteira, onde estão essas subjetividades todas, e que eu trabalho para manter ampliada, e manter expandindo. Porque quando você expande você também permite que coisas venham até você... quando você expande, como condição, as coisas também chegam a ti, porque tem mais espaço para acomodar coisas... de novo, isso não é místico, isso é absolutamente performático, eu estou falando uma prática muito precisa do meu trabalho, do que eu venho buscando. Claro, sem nenhuma certeza de que  isso realmente vai dar em alguma coisa, que não tem nenhum método, sempre me recusei dessa ideia de método no meu trabalho porque realmente não tenho a certeza de nada, e acho muito complicado adotar uma certeza de alguma coisa, embora saiba que claro você vai trabalhando com aquilo que vai aparecendo pra você e as coisas vão se reafirmando por si só. As fantasmagorias são muito essas outras coisas que a gente sabe que estão aí mas a gente não percebe. ...quando você olha o outro…As fantasmagorias têm a ver, talvez, com essa ancestralidade…Com aquilo que sempre esteve aí. Parece que tem coisas que a gente sabe que sempre estiveram, e que vão continuar, de alguma maneira, a estar quando a gente não estiver mais… Tem um pouco esse lugar de que coisas estão aí mas que eu não necessariamente acesso. [Sobre corpo…] Eu fico muito curioso com uma coisa de ‘esvair’… um corpo que ‘Leaking’, que tem uns ‘cracks’...Um corpo que está esburacado, que é constituído de pedaços quebrados…Eu acho que a gente está vivendo um tempo muito mais ‘caco’, e aí é muito importante que a gente não tente colar os cacos muito rápido fazendo de conta que não tem nada, sabe? Talvez seja um momento da gente olhar para esses cacos, de a gente ser isso, a gente entender qual é a dimensão da gente estar completamente estilhaçado, como pessoa, mas vivendo num mundo estilhaçado…Eu acho que esse corpo caco é uma ideia de desapego Dessa tradição,, desapego dessa normalização do corpo como deve ser...cacos são pedaços de uma coisa maior.

 

JBa: Como você entende a singularidade no ritual?

 

MEv: Parte do meu trabalho é a autonomia dentro de um coletivo. Eu acho que tem aí uma negociação de como é que a gente se mantém autônomo, mas implicado no outro, implicado numa coisa maior, implicado nos outros. Eu acho que o ritual nos dá condição para a gente experimentar uma coisa que é nossa, mas é muito bonito quando a gente pode fazer isso numa condição comum com os outros. A experiência que a gente tem dentro de um ritual, seja ele qual é, ela é muito individual, ela é muito única nossa, mas quando a gente pode experienciar isso numa condição onde a gente sabe que os outros estão nela, isso amplia de uma forma, isso justifica o fato de a gente estar vivendo isso … 

Bianca Mendonça
(July 2021)

martin_miseré_web-9922868.jpg
Bianca Mendonça

Foto Martin Miseré

A entrevista com a Bianca Mendonça foi direcionada para sua pesquisa atual sobre mapeamento de landscape, e sua tradução performática. Isso gerou um vídeo arte e uma performance, Bianca contou um pouco sobre o processo, e sua experiência ao visitar a Amazônia e povos indígenas, assim como seu processo de tradução para o contexto europeu. Ela pontua: 

 

“Esse termo ‘Pós humanismo’ falado no meio acadêmico, é o que os grupos nativos já estão falando há mais de 500 anos... Esse ‘revisitar’ da antropologia não é só o historiador que vai lá e faz a pesquisa de campo, faz a sua anotação, vai embora e escreve tudo a partir da sua perspectiva europeia...Mas de  fazer esse exercício de inversão ...de tentar escrever através do pensamento, através do olhar do nativo... foi daí que veio esse estudo, esse olhar para o que eles chamam de pensamento cosmológico. O meu ponto é: será o pós humanismo uma reinterpretação, acadêmica européia, desse pensamento cosmológico?”

 

JBa: Conte um pouco sobre sua pesquisa, e de como você se relaciona com tempo e espaço...

 

BMe: Para mim, é uma coisa ligada à memória. O impulso do projeto foi a questão dos mapas... eu tinha uma prática de mapping, que a princípio se iniciou como uma prática de mapping com o corpo. Tinha uma coisa de tradução entre movimento e desenho, a tradução do movimento para papel, e do papel para o movimento, e daí, ela foi se expandindo para uma coisa de querer trabalhar fora, no espaço - o que seria mapear esses espaços? E desse mapeamento fazer uma retradução no corpo, e daí, a coisa foi indo, até ir para paisagens específicas. Ir a um lugar e se ocupar com aquela paisagem específica, documentar, desenvolver uma uma prática de mapeamento neste lugar, e através dessas práticas, e principalmente da documentação dessas práticas, desenvolver um trabalho coreográfico. Quando eu estava lá [na Amazônia] fazendo essas práticas, teve uma coisa que se tornou a memória desse lugar, de registrar a memória desse lugar, de perguntar para as pessoas o que que era a memória desse lugar, e isso acabou se tornando uma das principais práticas do projeto, essa coisa do caminhar, de mapear o lugar através do caminhar, acompanhada por alguém desse espaço, e conversar com essa pessoa de uma maneira muito livre - mas, essa conversa ser sobre esse lugar, ser sobre a memória dela desse lugar. Então, cada coisa daquele espaço tinha sua história, ou seja, cada planta que estava lá tinha a sua história... 

 

JBa: Como você traduz a prática do mapeamento para as artes performáticas? 

 

BMe: Complexo... essa foi a grande questão...primeiro, porque isso é um tema para pesquisa para quase que para a vida…A primeira questão que surgiu no meio disso tudo foi de se localizar, de se contextualizar… Eu não sou indígena, eu não sou do Amazonas, eu sou branca, eu moro aqui [na Alemanha], e trabalho com pessoas daqui, então essa foi a primeira grande questão... o que que é possível ser feito nesse contexto, considerando essas condições.

Falando da questão do mapeamento... a maneira como eu abordo a ideia de mapping, ela é muita abstrata, ela tem uma relação com a terra, com o chão, mas a gente também não pode deixar de pensar que a ideia de mapear é uma ideia pós colonialista. É uma ideia Europeia. É um conceito europeu, e é um conceito que surgiu depois da colonização. A ideia de mapear, de criar um mapa, é uma coisa trazida pelo europeu, então não existe nada mais colonizador do que uma ideia de mapear... mas eu abordo mapeamento de uma maneira abstrata, [a partir] da perspectiva do corpo… de registrar esse espaço. Tem haver com a documentação e o registro desse espaço. Foi uma grande questão aqui como fazer isso nesse contexto, nesse formato peça - Black Box - Nesse formato europeizado...Eu me foquei em um dos aspectos do projeto, que foi uma observação do espaço. Eu tive muitos momentos de observar a natureza, observar mesmo a ‘landscape’, sendo naturalmente influenciada por esse pensamento cosmológico, por essa ideia pós-humana, por esse espaço que é um ser por si....como espectadora ... para mim, elas [as plantas] estavam dançando...para mim, o movimento que existia lá era um movimento coreografado. Eu tive muitos mapas e registros sobre esse olhar. Quando eu voltei e compartilhei com o grupo esses registros...essa perspectiva de olhar para as plantas, olhar para árvores, olhar para esses seres como se eles estivessem dançando e … abrir o olhar para a coreografia existente, foi o ponto em que a gente conseguiu se encontrar. Foi quanto que eu consegui me comunicar com as pessoas daqui. Com questões como: Como eu, com meu corpo performativo, me transformo nessa planta? Existe uma tentativa de olhar para essas questões, de se inspirar nesses pensamentos nativos, e como isso se reflete no trabalho…como isso pode influenciar seu processo artístico…

 

JBa: Qual é o impacto de trabalhar com o perfil europeu dentro da sua performance?

 

Eu acho que a primeira questão é não esconder isso. A gente não está falando por ninguém. E foi por isso que esses níveis, esses temas sobre territorialização, acabaram se dissolvendo e não se tornando visíveis, porque, quem somos nós para falar sobre esses temas? Foi a partir de perspectivas diferentes, de diferentes memórias. No nosso caso, foi assumir isso, e usar isso como metodologia de trabalho, deixar isso visível, que isso foi uma metodologia de trabalho, mais do que tentar esconder e ir por um caminho teatralizado da representação. Quando você entra para o corpo, entra na linguagem abstrata, a coisa se abstrai ... .as pessoas eram plantas na cena. A dança traz essa vantagem, a gente pode abstrair essas ideias também. Primeiro a gente assumiu quem somos, como estamos trabalhando, assumindo nossas limitações, e focando em níveis abstratos de como a gente pode se comunicar... e de como o público daqui pode se comunicar, no contexto em que estamos inseridos… E a partir do olhar desta pesquisa, olhar para isso de forma crítica. 

 

JBa: Você consideraria a tecnologia como integrante não humana da pesquisa?

 

BMe: Sinceramente não. Mas eu uso maquinário. A coreografia humana, foi feita por humanos usando maquinário, por exemplo, a gente usou ventiladores em cena, e a movimentação geradas por esses ventiladores que criava essa ilusão do não humano. Talvez a tecnologia esteja um pouco nesse aspecto.  Pensando no contexto do teatro, é o humano que está gerando ferramentas para encenar o não humano... se você realmente for falar: Ok! As plantas são protagonistas...mas se realmente eu for fazer uma peça sem corpos humanos, só com esses elementos, eu não faria num teatro, iria para uma floresta, trabalharia com animais, e ali sim, no habitat deles, em que eles se manifestam, eu faria um trabalho… O teatro é um espaço muito humano, mesmo quando a gente fala: vamos trabalhar com humanos, vamos trazer as plantas, vamos mover as plantas, vamos trazer animais... é uma construção. Por mais desconstruído, por mais performativa que você trabalhe...é uma construção.

 

JBa: Como você entende a relação entre passado, presente e futuro, na tradução da pesquisa para a performance? 

 

BMe: Não foi um tema abordado especificamente…

Uma das práticas que aconteceram quando eu voltei foi fazer a ‘performance lecture’. Que foi criada dentro de um ‘task’, que foi: ‘I remember’ -  eu me lembrava do que tinha acontecido, me lembrava de coisas que eu encontrei, de histórias que eu ouvi,  e dentro dessa memória, eu começava a me mover. Então, a movimentação corporal vinha da memória... tem essa ideia de mapear. Essa prática do mapear em si, dentro dessa memória, e o que que essa memória faz no corpo, [essa] seria a conexão com o passado, com estar lá, com o ouvir essas histórias, com coletar essas histórias, com tentar entrar naquele lugar, isso tem a ver com entrar nessas camadas de memória, então essa memória para mim seria esse passado. O Presente é o que acontece, e o futuro para mim é no sentido de que se não fizermos isso agora não vai haver futuro…

Julian Boehme

Julian Boehme
(July 2021)

2021_03_26_mobydick_NeuDarchau-31.jpg

Born and grown up in central Europe, just about where the hills stop and the northern flatlands commence. Treetalking child. Long time member of performance group Antagon TheaterAKTion, Co-Founder of Winterwerft Theater Collaboratorium. Strong belief in poetry, druidry and compost making as tools to move away from human - centered narratives. Gardener.Sheperd.Arboriculturalist.

http://www.winterwerft.de

JBa Tell me about your story as an artist connected to environmental issues..

 

JBo: First, came the environmental interests. And then, I started doing so called art… I grew up in the countryside, or at least not in the big city, and there was always a chance to go out in the fields, so...I always felt deeply connected to the non human world…

Nowadays, we are facing all that severe upcoming of ways how we mistreat the environment…20 or 30 years ago, the awareness for all these topics certainly was not that strong...Latest with Fridays For Future and the kids that are now in that age are sort of standing up...a lot of people should have gotten that...30 years ago was entirely different. Of course there were still already some people facing the issue and talking about it, but the mainstream thoughts and ideas were in this direction of growth, prosperity…  I mean, it was the 90s. There was like... capitalism at its best....That didn't make any sense for me at all, and that also caused, let's say, a lot of trouble with me being a kid… When I started theatre...I got to know it as a great tool for talking about stuff. Painful and troublesome...the things that usually you wouldn't face in this way on a Kitchen table or in a normal conversation… to put the finger in the certain wounds or to deal with these big lies that are elemental for keeping our systems running. I think with this tool, theatre, and the feeling of a certain urge to do that, to face issues of, well, basically, destruction, it came together very fluently at one point. 

 

JBa: Would you say that you shaped your work within this urge to talk, to express yourself towards what is important in society for you? Was that the start of the Winterwerft?

 

JBo: It was three people sitting together … At first,  we just had the space to do something and we wanted to do something in the wintertime...So we thought about a festival.. and we did it one time, with all different sorts of theatre, it was really small scale and without a certain topic….It was beautiful to bring theatre there, and to use this space in the winter time. As it turned out in the following year, somehow, it all ended up mostly In my hand, the planning… - OK, now it's all on my table. And what do I do? I've never created something like a theatre festival before …but taking the chances seems to be more interesting than just letting it to the side. I came across the Dark Mountain project a couple of years earlier. So, they published these books, which tackle all the topics of climate catastrophe, extinction, this idea of questioning the myths of time, the myths of civilization, of Progress... Creating a space, basically for writers, but also for other artists, mostly within the books, to talk about this stuff from all sorts of perspectives, be it scientifically, be it lyrics , etc. found a home, a little bit, in this book, because they managed to bring on paper beautiful voices together… 

The Dark Mountain project... They were also running a festival a couple of times, and I felt like:  wow! That's really cool! It has these really serious topics of the end of the world as we know it, basically from all levels, and they do a festival about it. And that's kind of weird -Let's celebrate the end of the world - but I thought: wow! that's really cool. And maybe that brings people together, and together they sit around the fire and talk about stuff and think about stuff and allow  people to meet and to connect, and by that time I started with the winter festival... that was actually the main inspiration. What is so essential for me is indeed that for some people, they really have the urge, the necessity to face these topics [sadness, depression…] as there are not so many spaces to really talk about it. There are a lot of these discussions being done by politicians or by scientists or by political activists. Now, also, art comes more and more into play, but also when we started with Winterwerft [4 years ago], in Frankfurt, in our city, that was kind of the first space to specifically talk about that. 

 

JBa: If the discourse is not from science and not from politics, but from theatre... What is the power that Theater has there?

 

JBo: The Emotions....The feelings that it evokes, the capacity of bringing things on stage. ...quite often we have paradoxical feelings. Happiness, anger, sadness and then, that doesn't fit into statistics, for example, that doesn't fit into politics where you have a certain political kind of way of talking. But this is a wild language of intuition, of intensity, of things that you sometimes even can't put into words, but you can put it into dance or performance, or in a poem... I would say that comes from deeper within us and it also touches people in a place deeper within us. With Corona, science got pretty big. Everybody's saying, listen through the scientists. But also environmental scientists have been warning us severely, for 30-40-50 years that we are driving this car over the edge...And hardly anybody listens to them...and that's so sad... if we would have listened to these scientists earlier... we wouldn't be at the point where we are right now. I don't know if theater or culture can bring that change for the better, but I think there is a level where numbers just don't reach us… we slowly start to get there, because a time catastrophe is at our door, we start to feel it, to experience it…I think theatre and performances is about feeling and it's about experiencing, and expressing...The analogue aspect… There's somebody in his or her physical shape in front of you telling a story, with his body, with his voice, with his energy. That creates a super unique space of exchange between the audience and the performer when you don't have that in politics or in science.

 

JBa: How does Winterwerft frame the exchange between performer and audience?  What are the formats?  What kind of perspectives do you want to bring in order to have this exchange with the public?

 

JBo: Talking about the last edition first.. there was no public because of Corona, or hardly any. So, we had all these volunteers, and invited guests to be there, to stay with us for four weeks. It somehow came super close to the original ideas of creating the space where artists can work and can share ideas and methods and thoughts and feelings about all these things. Your performance [odd extinction] has been a super good example for that, because it was created on the spot, you got inspired by the things that were happening around you. You were working together with a musician you've never worked before in this constellation. So, that was, in a way, the perfect format to have Winterwerft as a laboratory for research.

When there is public,  of course, we try to make spaces where there can be exchanges,  talks, and conversations, before and after the shows...we create a space in a way that is inviting for people to stay longer, to sit around, to have a drink, have a chat, to be at the fireside and share some thoughts…I think what Winterwerft is trying to do is to find rather small and intimate formats, that fits into the room, that holds the tension, keep the space, and try to open up different perspectives...Non human perspectives, to uncenter our minds, to change the point of view, a little bit away from the us being the central of creation. 

 

JBa: How do you connect the community living with the festival? 

 

JBo: I think it gives a very important aspect to the whole project. Mostly, when there's festivals happening, people come, they visit, they have their shows and then they go again…. And, what I figured is, more than 10 years being on the road with different performing groups, different  theatre groups, visiting festivals, international festivals and all that… the festivals that stick the most is where you feel the community behind it … Community is important. These ideas of community, of being somehow local, of small scale, trying out different ways of finding decision making, of creating a process, that all goes hand in hand with each other.  I see it clearly as a part of a way into the future, into a sustainable future … a Future where People are more equal, more diverse in their ways of coming together and working together. 

 

JBa: Can you tell me more about this idea of the future and how do you connect it with Winterwerft? 

 

JBo: The crisis we are facing, has so many different levels - be it ecological, economical, political, spiritual - It involves also a little bit of the hope for finding some ideas in the process that can help to overcome this crisis and therefore, create a future beyond that. There is a beautiful Sentence or idea in the dark mountain manifesto, It just comes to my mind right now. They said: ‘we seek hope beyond hope’. Meaning that, by facing the crisis, by questioning the grand narratives, by daring to look into the abyss, first of all, there comes a step of realizing that we are in a deep mess… you take down the curtain and you see what's real...what's true… we have faced damages to the planet and to the living nature that we can't just fix it. We can't just repair. We can't bring back all the species that already went extinct. We can't bring back the cultures that we already colonized and destroyed, and so many languages, so many people, so many voices that once were part of this grand  universe … We basically killed it. And that's super sad. Looking to the future, we don't know if we will manage to turn the wheel...Nobody can tell if we will make it to the future generations. But then, there is this hope...than the just hope for a grand scale’s fix is a super technological solution….I don't thing that is gonna happen, but there is a certain hope on the present moment, and then people coming together, just face to face trying to relief ways and spaces for culture makers for culture to connect, and to share ideas of how can it be different. What are the alternatives to the Narratives that we've been following for now...what's the stories that are beyond Those stories? Not to create the future, but it's some help to navigate through the present time.

 

JBa: After this experience through Corona times, do you think the next Winterwerft will keep some changes?

 

JBo: I hope so!. That's indeed the plan, to keep the space of two weeks, 10 days before the festival for creation, and then for meetings, for inviting different artists, for collaborations, creative atmosphere, and then having three or four days of inviting the public, and let it out to the audience, to share it.
 

JBa: What is the response from the politicians towards this festival?

 

JBo: That's not so much exchange with politicians... it would be interesting to open that space a bit more into the direction of having a conversation about that - between artists and politicians. Maybe that is a gap that needs to be closed, or that there is something that can grow better together. It would be nice too. We have a lot of really positive feedback from the political side, I think that the Political agenda, mostly, is not as inventive as it should be or could be. I mean, it's not the job of politicians to be super inventive, but when you look around the political landscape, there is no, or hardly any, real vision that tries to envision a future that is different in ways that there is a change of mindset. Mostly, what you read at the political programmes it's weather has been some alterations, or like some even dare to question growth, but most don't. And that would be interesting. To come into an honest discourse with politicians about that. 

 

JBa: Do you think that Winterwerft could open that space for that communication to happen? 

 

JBo: I'm not sure if I would like that. Because it shall be a place mostly for artists, and not so much for politicians. I think it's important to strengthen the discussion, and the exchange between all groups of people in our society. It is certainly a very political festival, by the art that we tried to put on stage, but art is just a different language than politics. I dare say, it is much more adequate language in tackling the immensity and absurdity of  the situation than political speech. There's a reason why I do love theater, rather than having so much connection with politics. As said before, the theatre we do is immensely political.

 

JBa: Would you say, the festival is rather more about reaching the public then reaching the politician? 

 

JBo: Yeah. At some point, the changes we need to make in the way we live also should reach the politicians, but I guess it's gonna be the people who will tell, or teach the politicians. I want to keep up the belief in the people…I know a lot of people who are in their thoughts about what is necessary in terms of change , that is needed to, somehow, go more resilient, more sustainable in the future, there's so much further than any political program. I found that super inspiring. Some people who just have a small scale farming, gardening, local networks of food sharing or Community run gardens, it's sort of somewhere in this place where you find hope beyond hope. I believe in the power of stories. Especially in folk stories, they come together by stories. I don't mean only narratives, it's all sorts of art pieces,  with music or poetry, that all transport certain ideas of the way we live, the way we behave, the way we eat, and what we eat, where do we get it from. In the old days, the stories around the fireside were told to each other and all had some lessons to learn, implied, openly or secretly of how to be in the world in a way that certain balances are being kept. These handcraft stories that tell you about the nature of the different qualities. This story belongs to the people…In a way, it didn't go so well, and then they got extinct, or something like that…Now, I have the feeling that stories are from the elite...Big narrative of progress, of prosperity, which are mostly told by politicians. I want to say that these stories should come back to the kitchen table - word by word,  from my mouth to mouth, from person to person. On a small scale’s community idea. That's going to be our greatest inspiration and chance to keep ourselves together…

bottom of page