Em uma palestra em 2016, o historiador Yuval Noah Harari comentou que falar sobre o futuro não é sobre profecias, porque neste caso, não importava se se tornasse verdade ou não, porque não podemos fazer nada a respeito. Ao contrário, ele pensa que é muito mais interessante "escrever sobre diferentes possibilidades, e se você não gosta de algumas dessas possibilidades, então [você deveria] fazer algo a respeito...[a fim] de evitar que as piores possibilidades sejam realizadas."[i] De acordo com Harari, a justiça é feita quando mudamos a perspectiva, em vez de perguntarmos "por que estamos aqui?" ou buscarmos significados para nossa existência, deveríamos estar tentando entender "como estamos aqui" e como queremos continuar estando aqui.
A que distância está o futuro? É bastante interessante usar uma medida espacial para assemelhar-se a uma pergunta (tradicionalmente entendida como) temporal. Quão distante está o futuro? Quantos quilômetros? Alguém poderia já estar "lá" enquanto eu ainda estou "aqui"? Para mergulhar nesta viagem, convidarei o leitor a ficar tão confuso quanto eu durante esta pesquisa, perturbando a dinâmica indeterminante do tempo, do espaço e da matéria. Através das lentes (desafiadoras) da física quântica e filósofa Karen Barad, nas seguintes linhas, levantarei um senso de responsabilidade em relação a um discurso não neutro sobre a Extinção. Basear-me-ei numa abordagem descolonial do futuro e numa compreensão do conjunto de im/possibilidades do vazio e de suas virtualidades hauntológicas.
Aproximar-se do futuro como fixo e inevitável pode ser enganoso. Hancock e Bezold em seu artigo “Possible futures, preferable futures” (1994) argumentam que tal forma de pensar resulta inevitavelmente em apatia e sentimento de impotência e falta de controle. [ii] Eles sugerem quatro maneiras de pensar sobre o futuro: O futuro possível (o que pode acontecer), o futuro plausível (o que talvez aconteça), o futuro provável (o que provavelmente vai acontecer), e o futuro preferível (o que queremos que tenha acontecido). As perspectivas sugeridas oferecem o controle e a responsabilidade que se pode ter dentro das sociedades, individual e coletivamente.[iii]
No livro “Ghosts of my life: writings on depression, hauntology and lost futures”, Mark Fisher nos apresenta um dilema: "Não há tempo aqui, não mais" [“There’s no time here, not any more”]. O que chama minha atenção não é a idéia de um tempo que pode não existir, mas sim que não existe "mais". Ao se referir ao 'tempo', Fisher toma emprestada uma definição de Franco 'Bifo' Berardi na qual o tempo não é direcional, mas uma 'percepção psicológica' que surgiu na situação cultural da civilização moderna. Portanto, ela é moldada por diferentes sistemas sócio-econômico-políticos.[iv]
Fisher está preocupado com um presente que ainda não começou. Ele afirma que "[permanecemos] presos no século 20 devido à finitude e exaustão do novo."[v] Em sua opinião, a cultura perdeu a capacidade de articular o presente, ou ainda mais, não há nem mesmo um presente a ser articulado.[vi] Em primeiro lugar, ele dissocia tempo e espaço, portanto, não há tempo 'aqui', em segundo lugar, ele reivindica uma descontinuidade uma vez que o tempo não é 'mais'.
Tanto em 1994, quando Hancock e Bezold estão elaborando as responsabilidades individuais e coletivas para criar o futuro, ou em 2014, quando Mark Fisher coloca o tempo como uma percepção dos sistemas sócio-econômico-políticos, o que é colocado em questão não é apenas a noção de temporalidade, mas sim, os enredos do futuro presente passado, bem como a relação entre o micro e o macro (individual-coletivo, humano-ambiente), tempo e espaço, tempo e ser, e política e ética. Assim, reunirei diferentes perspectivas de aproximação ao futuro, para perturbar sua linearidade, para sacudi-la em seus (múltiplos) potenciais políticos. Em primeiro lugar, vamos entender o que há para ser perturbado.
“Troubling time/s and ecologies of nothingness: re-turning, re-membering, and facing the incalculable,” e “After the end of the world: Entangled nuclear colonialism, matters of force, and the material force of justice” são dois documentos importantes onde Karen Barad traz em conta o potencial político de perturbar a compreensão tradicional do tempo, do espaço e da matéria. Para fazer isso, ela sugere uma mudança na compreensão tradicional do vazio.
Na física newtoniana, a natureza se sustenta por dois elementos: átomos e o vazio. O vazio não é nada, e a matéria é imutável e pode ser mapeada no espaço e no tempo. Nesta visão tradicional, espaço e tempo são vistos como um estado absoluto e, como aponta Barad, suas "coordenadas homogêneas fixas universais que têm sua existência independentemente de toda a matéria, e uma da outra."[vii] Entretanto, segundo a Teoria Quântica do Campo, a matéria é entendida em sua dinâmica in/determinada do nada do vazio, como Barad argumenta "o nada... é um fluxo com o dinamismo da in/determinação do ser/estar do tempo[time-being], o jogo da não/presença da não/existência."[viii]
Ao colocar juntos "tempo e ser/estar"[time-being], Barad reivindica uma multiplicidade de histórias e a própria situação do tempo. Ela perturba a natureza unilinear do tempo - o fato de que apenas um momento existe de cada vez[ix] - ao reconhecer diferentes contextos e implicações político-onto epistemológicas-éticas, destacando as conseqüências da lógica na qual "vazio" significa"nada", o que em suas palavras,é uma "forma de oferecer justificativa para reivindicações de propriedade na "descoberta" de território "virgem" - a noção particular de que espaços "não cultivados", "não civilizados" são vazios em vez de abundantes, tem sido uma ferramenta bem usada a serviço do colonialismo, do racismo, do capitalismo, do militarismo, do imperialismo, do nacionalismo e do cientismo.”[x]
Barad argumenta que existe um falso senso de globalismo que impõe uma homogeneidade de tempos e espaços, ignorando a distribuição desigual dos recursos e a precariedade da energia nuclear e da crise climática. Para ela, este fenômeno diverge da questão da responsabilidade e distrai a atenção das realidades de 'ongoingness' da guerra.[xi] Ela problematiza a civilização ocidental ao ligar a história ao tempo, em oposição a algumas culturas indígenas que ligam a história ao espaço.[xii] Para ela, o primeiro formato é uma ligação direta ao progresso como uma ameaça à futura biologia do planeta, como na época do capitalismo, do colonialismo e do militarismo.
[*] Karen Barad uma vez explicou o uso de "/" (como exemplo de im/possibilidades), pelo qual ela significa mais do que apenas ambos (possibilidades e impossibilidades), mas sim que existe uma superposição que representa uma indeterminação entre os dois. Neste artigo vou usá-la da mesma forma, diferenciando-me de seus termos através de aspas.
[i] (Harari, Recorded lecture on the Royal Institution Youtube Channel, entitled 'The future of Humanity, with Yuval Noah Harari', 2016)
[ii] (Hancock & Bezold, 1994)
[iii] (Hancock & Bezold, 1994)
[iv] (Fisher, 2014, p. 13)
[v] (Fisher, 2014, p. 13)
[vi] (Fisher, 2014, pp. 14-16)
[vii] (Barad, After the end of the world: Entangled nuclear colonialism, matters of force, and the material force of justice, 2020, pp. 90-91)
[versão original] “universal fixed homogeneous coordinates that have their existence independently of all matter, and of each other.”
[viii] (Barad, After the end of the world: Entangled nuclear colonialism, matters of force, and the material force of justice, 2020, p. 91)
[versão original] “nothingness…is a flush with the dynamism of the in/determinacy of time-being, the play of the non/presence of non/existence”
[ix] (Barad, Troubling Time/s and Ecologies of Nothingness: Re-turning, Re-membering, and Facing the Incalculable, 2017, p. 57)
[x] (Barad, After the end of the world: Entangled nuclear colonialism, matters of force, and the material force of justice, 2020, p. 92)
[versão original] is a “way of offering justification for claims of ownership in the “discovery” of “virgin” territory – the particular notion that “untended,” “uncultivated,” “uncivilized” spaces are empty rather than plentiful, has been a well-worn tool used in the service of colonialism, racism, capitalism, militarism, imperialism, nationalism, and scientism.”
[xi] (Barad, Troubling Time/s and Ecologies of Nothingness: Re-turning, Re-membering, and Facing the Incalculable, 2017, p. 58)
[xii] Barad refers here to Daniel R. Wildcat. (Barad, Troubling Time/s and Ecologies of Nothingness: Re-turning, Re-membering, and Facing the Incalculable, 2017, p. 60)