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O Super-humano e a nova singularidade

A hegemonia estrutural é uma das maiores preocupações políticas com relação à evolução, portanto também à extinção. Quando se pensa nas histórias dos super-heróis, pode-se ficar rapidamente nostálgico com a expectativa de que, um dia, todos nós poderíamos potencialmente ter superpoderes. Ou, que talvez um dia estejamos seguros graças a um humano que difere de nós em muitos níveis - do pensamento estratégico à força brutal. Em todo caso, a comparação entre "nós" está longe de ser justa. Ambas as ideias são suficientes para pensar sobre que tipo de posições de privilégio nas sociedades esses super-humanos teriam. As leis que são válidas para a maioria da população, seriam ligeiramente (ou, melhor dizendo, completamente) diferentes para estas poucas "pessoas" pertencentes à nova classe.

Aqui quero brincar com as palavras super-humano e pós-humanismo, reunindo a perspectiva de Cecília Åsberg e com o historiador Israelense Yuval Noah Harari. Åsberg reflete sobre o pós-humanismo argumentando que, em vez de representar um fim das humanidades, ela apela para sua inclusão e, no entanto, para o fim das formas normativas dos chauvinismos Andro- ou antropo- ou eurocêntricos.[i]  De fato, ela se compromete com a contínua desconstrução do próprio humanismo.[ii]

Seguindo as idéias de Donna J. Haraway, Åsberg argumenta que o pós-humanismo não sinaliza apenas transformações (em um sentido progressista), mas uma mudança que poderia sempre ter existido, implicando todas "as pré, in-, a-, menos que, ou mais que humanas, uma vez que estas denominações se co-constituem, em relação umas às outras."[iii]  Åsberg defende um estado de 'ongoingness' pós-humano, marcado pela recusa de fazer a distinção entre 'humano' e 'não-humano', o que ela definiria como, tomando emprestado o termo de Karen Barad, 'performatividade pós-humanista'.[iv] 

A imprevisibilidade de sua performatividade é também um tema abordado por Yuval Noah Harari, no qual ele inclui "transformações fundamentais na consciência e identidade humanas... [que] colocarão em questão o próprio termo 'humano'."[v]  Em seu livro “Sapiens: A brief history of Humankind”, Harari nos mostra que a inteligência artificial já é uma parte profunda da humanidade. Ela não é mais viver com robôs, mas sim viver intra-conectada com eles. Ele proclama o fim da seleção natural substituída pelo projeto inteligente, seja através da engenharia biológica, engenharia ciborgue, ou a engenharia da vida inorgânica.[vi] 

O que é surpreendente em sua análise é que em poucas décadas as alterações biológicas podem não apenas permanecer com a fisiologia, o sistema imunológico e a expectativa de vida - como estamos acostumados - mas também com as capacidades intelectuais e emocionais.[vii]  Harari argumenta que é improvável acreditar que a pesquisa de produzir super-humanos possa ser realizada por muito tempo, o que inclui a possibilidade de prolongar a vida indefinidamente, conquistar doenças incuráveis e atualizar nossas capacidades cognitivas e emocionais.[viii]  No entanto, o dilema de desenvolver alterações biológicas de alta tecnologia é construído sob nossa limitada compreensão da ética e da política, como ele aponta: 

"A maioria dos enredos de ficção científica descreve um mundo no qual Sapiens - idêntico a nós {assumindo que quem lê também é um Sapien} - desfruta de tecnologia superior... Os dilemas éticos e políticos centrais a esses enredos são tirados de nosso próprio mundo, e eles apenas recriam nossas tensões emocionais e sociais contra um pano de fundo futurista. Mas o verdadeiro potencial das tecnologias do futuro é mudar o próprio Homo sapiens, incluindo nossas emoções e desejos... Os físicos definem o Big Bang como uma singularidade. É um ponto em que todas as leis conhecidas da natureza não existiam. O tempo também não existiu. Portanto, não faz sentido dizer que alguma coisa existia "antes" do Big Bang. Podemos estar nos aproximando rapidamente de uma nova singularidade, quando todos os conceitos que dão sentido ao nosso mundo, eu, vocês, homens, mulheres, amor e ódio - se tornarão irrelevantes. Qualquer coisa que aconteça além desse ponto não tem sentido para nós."[ix]

Parece familiar, em comparação com as histórias de super-heróis e a ficção científica a que estamos acostumados. O dilema que Harari vê é descrito pela ética e política das performatividades hegemônicas. Ele acrescenta a isso uma pergunta interessante: "O que pode acontecer quando a medicina se preocupa em melhorar as habilidades humanas? Todos os humanos teriam direito a tais habilidades aprimoradas, ou haveria uma nova elite sobre-humana"?[x] Se esta última fosse verdadeira, como seriam as novas estruturas de hierarquia? Como a extinção seria moldada sob estas novas circunstâncias?

Quero encerrar esta sessão compartilhando uma preocupação com Harari na qual a questão para o futuro não é o que ‘queremos ser’? mas sim, o que ‘queremos querer’?[xi] A disposição de permanecer no mundo pós-humano lança luz com um sentimento desconcertante de não pertencer ao futuro, extinguindo nossa compreensão do que são 'humanos', caindo então na incógnita de uma nova singularidade.

 

[i] (Åsberg, 2018, p. 196)

[ii] (Åsberg, 2018, p. 189)

[iii] (Åsberg, 2018, p. 190)

 

[iv] (Åsberg, 2018, p. 190)

 

[v] (Harari, Sapiens: A brief history of Humankind, 2015, p. 463)

 

[vi] (Harari, Sapiens: A brief history of Humankind, 2015, p. 448)

 

[vii] (Harari, Sapiens: A brief history of Humankind, 2015, p. 452)

 

[viii] (Harari, Sapiens: A brief history of Humankind, 2015, pp. 452-3)

 

[ix] (Harari, Sapiens: A brief history of Humankind, 2015, pp. 460-1)

[versão original] “Most science-fiction plots describe a world in which Sapiens – identical to us {assuming that the one reading is a Sapien too} – enjoy superior technology…The ethical and political dilemmas central to these plots are taken from our own world, and they merely recreate our emotional and social tensions against a futuristic backdrop. Yet the real potential of future technologies is to change Homo sapiens itself, including our emotions and desires…Physicists define the Big Bang as a singularity. It is a point at which all the known laws of nature did not exist. Time too did not exist. It is thus meaningless to say that anything existed `before` the Big Bang. We may be fast approaching a new singularity, when all the concepts that give meaning to our world, me you, men, women, love and hate – will become irrelevant. Anything happening beyond that point is meaningless to us.”

 

[x] (Harari, Sapiens: A brief history of Humankind, 2015, p. 460)

 

[xi] (Harari, Sapiens: A brief history of Humankind, 2015, p. 464)

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