Onde começa o problema?
Atualmente estamos nos aproximando do que muitos chamam de sexta extinção em massa, também conhecida como a Extinção Antropocênica.[i] Embora a extinção de espécies seja certamente um fato da vida, tem sido argumentado que as espécies estão morrendo mais rapidamente do que o ritmo normal. As espécies estão atualmente ameaçadas devido à superprodução capitalista e ao colonialismo, liderado pela mudança climática antropogênica, a destruição de habitats naturais e a introdução de espécies atípicas em ecossistemas equilibrados.[ii] Como será argumentado neste artigo, o problema começa quando os seres humanos se veem separados do meio ambiente, assim como quando a percepção do tempo, espaço e matéria são separados uns dos outros.
Em “Encountering the “Ecopolis”: Foucault’s Epimeleia Heautou and Environmental Relations” Petra Hroch aborda um termo interessante, o 'ecopolis'. Ela vê a polis como uma esfera política na qual ela inclui não apenas os sujeitos humanos e os espaços feitos pelo homem, mas também sujeitos e espaços não-humanos. Sua perspectiva política coloca o meio ambiente e a humanidade juntos, argumentando que ambos são parte de uma polis pluralista e sustentável.[iii] Não significa que se preocupar com o meio ambiente representa outra forma de impor ordens humanas, mas sim que ela reconhece o papel de cada um em relação à esfera política, e a interconexão com a existência de vários 'outros'.[iv]
Ao separar a espécie humana do meio ambiente, dividimos não apenas o entendimento do ser, mas também o do tempo e do espaço. Ao fazer isso, assumimos uma homogeneidade, ou melhor, um estado absoluto das coisas. Dois exemplos de como tempo e espaço estão sendo entendidos em sua homogeneidade são o ‘Doomsday clock’ e a ‘Peace Watch Tower’. O primeiro é um relógio simbólico, momentos sincronizados antes da meia-noite, dependendo de quão perto o mundo está de uma catástrofe global.[v] No início sincronizado com a perspectiva do apocalipse nuclear, e mais tarde incluindo a mudança climática como uma ameaça significativa para a sobrevivência de nosso planeta. Mais do que o tempo, o relógio sincroniza a política global e o progresso tecnológico.
O segundo exemplo é a ‘Peace Watch Tower’ do Museu Memorial da Paz de Hiroshima, um relógio digital sincronizado com a paz ao invés da guerra, e toda vez que há um teste nuclear, ele volta a zero.[vi] Mas ainda assim, tanto quando o tempo se aproxima da meia-noite ou quando volta a zero, ao chamá-lo de "catástrofe global", assumimos a homogeneidade das circunstâncias em todo o nosso planeta. Portanto, para compreender de novo as circunstâncias, é preciso também perturbar[vii] a compreensão do tempo e do espaço em si.
Há uma certa abstração ao universalizar as realidades percebidas. Este problema é reconhecido por Donna Haraway quando ela argumenta que pode ser verdade que estamos lutando por mudanças, mas pode não afetar a todos ao mesmo tempo, ou da mesma forma, não é de fato para o benefício de todos. Como ela aponta, "as evidências da rápida mudança climática antropogênica, mostram que 7-11 bilhões de seres humanos fazem exigências que não podem ser suportadas sem danos imensos a seres humanos e não humanos em toda a Terra". É frequente que, em nome da ecojustiça, procuremos que outros "não nós" sejam culpados pela contínua destruição, como o capitalismo, o imperialismo, o neoliberalismo, a modernização, etc. Haraway defende uma exigência de "capacidade de resposta para se envolver com outros inesperados."[viii]
"Ficar com os problemas não requer tal relação com tempos chamados de futuro. Na verdade, permanecer com os problemas requer aprendizado para estar verdadeiramente presente, não como um pivô de fuga entre passados horríveis ou edênicos e futuros apocalípticos ou salvíficos, mas como criaturas[ix] mortais entrelaçadas em miríades de configurações inacabadas de lugares, tempos, assuntos, significados."[x]
O que é preciso para ficar com o problema? Como encarnar a mudança em nossas diversas realidades, e reconhecer percepções diversas? Na Alemanha, um protesto recente está ocorrendo sob o enfoque do grupo ativista Extinction Rebellion usando o hashtag #rebellionofOne. Esta ação consiste em bloquear o tráfego somente em nome do desespero climático. Os manifestantes se sentaram sozinhos no meio da rua e lá perseveraram até serem removidos pela polícia. Carregando sinais ao redor de seus pescoços, eles manifestam seus medos com mensagens tais como: "Tenho medo de mais pandemias por causa da crise climática" ou "Tenho medo de que o sustento de meus filhos e netos seja destruído por causa da crise climática". O ponto que eles levantam é que somente nós temos uma responsabilidade para com as gerações futuras e para aprender que mais espécies estão se extinguindo e a crise climática já tem e terá consequências fatais para todos nós. Como um participante citou desesperadamente: "Se é preciso colocar meu corpo na rua para chamar a atenção para isso, fico horrorizado o suficiente para fazê-lo."[xi]
Como o exemplo acima, o uso do corpo como forma de realizar um manifesto, de encarná-lo, é uma forma de entender a interconexão dos contextos macro e micro e a influência que um tem sobre outro; assim como os enredos do passado presente e futuro através da ideia do aqui e agora; e por último, mas não menos importante, a relação entre o eu e os outros.
[i] Os cientistas se referem à época atual como o período Antropocênico, ou seja, o período da humanidade. Eles advertem que, devido às atividades humanas, a Terra pode estar à beira da - ou já em uma sexta extinção em massa. A grande questão é que, se a humanidade está passando por uma extinção em massa, o que e como novas formas de vida nos substituirão? (Geographic)
[ii] (Greshko, 2019)
[iii] (Hroch, 2010, pp. 1-2)
[iv] (Hroch, 2010, p. 6)
[v] Created by the Bulletin of the Atomic Scientists Doomsday Clock - Bulletin of the Atomic Scientists (thebulletin.org)
[vi] (Barad, Troubling Time/s and Ecologies of Nothingness: Re-turning, Re-membering, and Facing the Incalculable, 2017, p. 59)
[vii] Aqui vou pegar emprestada a definição de problemas dada por Donna Harway, como a seguir: "Problema ... deriva de um verbo francês do século XIII que significa "agitar", "tornar nublado", "perturbar". ... A tarefa é tornarmo-nos capazes, uns com os outros, em todos os nossos tipos pretensiosos de resposta... [nossa] tarefa é nos conectar em linhas inventivas como uma prática de aprender a viver e morrer bem uns com os outros num presente espesso... Em tempos urgentes, muitos de nós somos tentados a enfrentar problemas em termos de tornar seguro um futuro imaginado, de impedir que algo aconteça para se aproximar do futuro, de limpar o presente e o passado a fim de fazer futuros para as próximas gerações".
[versão original] “Trouble … derives from a thirteenth-century French verb meaning “to stir up,” “to make cloudy,” “to disturb.” ... The task is to become capable, with each other in all of our bumptious kinds, of response … [our] task is to make kin in lines of inventive connection as a practice of learning to live and die well with each other in a thick present… In urgent times, many of us are tempted to address trouble in terms of making an imagined future safe, of stopping something from happening that loom in the future, of cleaning away the present and the past in order to make futures for coming generations.” (Haraway, 2016, p. 1)
[viii] (Haraway, 2016, pp. 208-9)
[ix] Haraway mentions that the use of the term `critters` refers to microbes, plants, animals, humans and nonhumans, and sometimes even to machines.
[x] (Haraway, 2016, p. 1)
[versão original] “Staying with the troubles does not require such a relationship to times called the future. In fact, staying with the trouble requires learning to be truly present, not as a vanishing pivot between awful or Edenic pasts and apocalyptic or salvific futures, but as mortal critters entwined in myriad unfinished configurations of places, times, matters, meanings.”
[xi] Informação retirada da conta do Instagram @xrberlin de um post feito em 15.05.2021 (tradução livre)